Oi, tudo bem?

Que bom que você veio.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

HOLOCAUSTO


HOLOCAUSTO
Tótila Artigas








Hoje já faz três meses que estou aqui. Tenho que escrever, senão, vou enlouquecer. Edi ficou louco depois da primeira semana, saiu, voltou algumas horas depois. Estava com o corpo coberto de chagas, pareciam queimaduras, ou bicheiras, sei lá... morreu, estrebuchou diante de nossos olhos. Falei pra ele não sair, era perigoso, ouvi tudo pelo rádio.
Vou escrever de novo tudo o que aconteceu. Quem sabe algum dia, nos séculos vindouros, alguém encontra estas páginas. Então vai saber o que aconteceu no mundo. Estou preso dentro do depósito de um supermercado, no centro do que um dia foi a maior cidade da América do Sul. Isto é o que restou da cidade. Antes de estrebuchar, Edi contou como está lá fora. Os cadáveres se amontoam nas ruas. Quem ainda esta vivo, perambula sem destino e sem inteligência. O gás ataca o cérebro, a pessoa fica abobada, parece um pouco aqueles zumbis dos filmes norte americanos... foi isso o que ele falou, entre gemidos e gritos de dor. Não conseguimos fazer nada para aliviar o seu sofrimento. Tentamos amenizar um pouco dando uísque, cachaça, vinho, até ele ficar completamente bêbado. Deu certo, ele parou de sofrer. Mas as chagas progrediram até ele se tornar uma chaga imensa. Estrebuchou sem sofrer, de tão bêbado que estava...
O Brasil era um país neutro, não tinha nada a ver com o conflito, que aconteceu lá na Ásia, Oriente Médio, sei lá. A situação estava ficando estranha. Grupos de certo povo, se desentenderam entre si, com outros povos, com outras religiões... De repente, algum deles disparou uma bomba atômica. Era para ir para um país, nas margens de um mar interior, errou o alvo e foi para outro, acho que para o leste, para um país governado por um ditador, dividido em dois. O ditador pensou que foi o país da potência econômica, disparou uma bomba para cair na costa Oeste dele. Caiu na potencia industrial que inunda o mundo com produtos fabricados com mão de obra escrava, segundo seus críticos. Na potência econômica, grupos religiosos extremistas explodiram as usinas termo nucleares. A potência industrial revidou a bomba do ditador jogando algumas bombas no arquipélago vizinho, que quer ficar com uma ilha, e destruiu as usinas termo nucleares do arquipélago. Enquanto isso, os grupos religiosos infiltrados na potência econômica dispararam bombas em direção ao país que fica na margem do mar interior, que foram interceptadas e explodiram sobre a Europa. Eles espalharam pela Internet que iam fazer isso, logo, logo. E que ninguém iria conseguir impedi-los. Não lembro o nome de qual organização religiosa oriental assumiu os primeiros atentados, aos brados de “meu deus é o maior”, embora os representantes legais desse deus negassem qualquer relação. Tendo em vista o extremismo de determinados grupos, não duvido muito quem tenha feito isso. Foi uma reação em cadeia, toda ela errada. Ou sabotada, não sei. Nenhuma bomba explodiu onde deveria ter explodido. Em questão que dias, menos de uma semana, o mundo explodia debaixo de tantas bombas. Cada grupo religioso/político/social acusava o outro de fazer isso ou aquilo. A intolerância religiosa estava acima de qualquer interesse social, político, econômico, racial, ou qualquer outro que fosse. Os ventos transportaram os gases venenoso, acho que não eram só bombas atômicas. Deviam ter outras, de gases letais, a gente nunca sabe o que se passa pelas cabeças dos governantes que querem construir armas para defender seus países. A vida humana perdeu completamente o valor. Talvez os deuses de cada religião estejam felizes agora. Todas as almas que deveriam temê-los, adorá-los, respeitá-los, agora estão bem juntinho deles, cada um no seu paraíso particular.
Hoje deve estar fazendo quatro meses que as bombas estouraram. Ernie, Elisa, Marquinhos, não aguentaram. Elisa saiu três semanas depois do Edi e não voltou. Não faço a menos idéia do que aconteceu com ela. Ernie voltou, estava com o corpo muito machucado, e abobado também. Não falava coisa com coisa. Ficou dois, ou três dias, comeu, engoliu litros de bebidas alcoólicas e saiu outra vez. E desapareceu. Marquinhos saiu faz dez dias, voltou incólume (essa tirei do dicionário), disse que não tinha mais problema, comeu um pouco, bebeu um pouco e foi embora.  Disse que tem um monte de esqueletos lá fora, mas estou duvidando, acho que ele não foi além do prédio do shopping. Bem, de qualquer forma, ele não está mais aqui.
Não sei quanto passou desde que escrevi a ultima vez. Li dois livros, comi, dormi, mas não tive ânimo de escrever. As vezes tenho a impressão de que estou sonhando. Acho que vou sair.
Estou andando pela avenida Paulista. Ainda tem mortos frescos pelas ruas. É estranho. São Paulo vazia desse jeito. Nem na madrugada do primeiro dia do ano. Carros, ônibus, metrôs, tudo parado. Silencioso. Espere, silencioso não. Acho que estou ouvindo um pássaro cantar.
Desci a brigadeiro Luis Antonio até o centro. Passei pela igreja dos triângulos entrelaçados e não encontrei o deus lá. A paisagem monótona de sempre. Sem vida, sem trânsito. Entrei na igreja do passarinho no coração, e o deus não estava lá, nem o deus da igreja da lua estava lá. Serei eu o único homem na cidade? No Estado? No Brasil? NO MUNDO???
Encontrei o marquinhos. Sentaddo na murreta do jjardim na praça da republica. Acho que petrificou. Estava duro com o pedraa. Estou senntado do do lado dele. O sol está forete e brilante. Acho que estou com fome. Paseei por um teatro de estripe tease, tinha a fottoo de uma mulher pelada em tamanho de gente. Peqei a arma de um policial queestafa caído petrefecado comoomarquinho. Nã seei por  q eu , descaregeui o revolver em cima da fotto ela continuou pelada sirondo prara mim a quanto tempo não teho umaaaa mulher semtei no banco no lrgo do paisundu a igreaj ta da crrruuz abertrta mas deus não est ala drentrao oooooonndddde esssstaâoo nnoooosss dedeuuseesss??????  estou morrendo nõãoo consigo rarararaacaiconar um rraaato qre falraar coomiiggggo miiiiiiiiiigiioooooo  éeeeeeeeeee ofiiiiiiiimm...............

ilustração: bone yard masquerade, Michael Thomas, in The Macabre And the Beautifully Grotesque



         

domingo, 6 de janeiro de 2013

FUZUÊ NA BIBLIOTECA DE CUBATÃO





Programação de férias da Biblioteca Municipal de Cubatão


De 14 a 31 de janeiro, a Biblioteca Municipal de Cubatão promove uma série de atividades para crianças. Cada dia da semana, sempre das 14 às 16 horas, tem uma coisa diferente para fazer.


Desenho para pintar às segundas-feiras; Oficina de Xadrez às terças; Show do Fuzuê com Tótila Artiga (foto) às quartas; Hora do Conto com Nalva Leal às quintas e Oficina de Reciclagem às sextas. A Biblioteca Municipal fica na Avenida 9 de abril, 1977, Centro de Cubatão.
Alessandro Atanes
MTb 650/96 DRT-MT

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Mulher de deusa a puta


MULHER DE DEUSA A PUTA
Tótila Artigas















Mulher,
na aurora dos tempos,
foste considerada deusa.
Teu segredo em sangrar e viver,
gerar a vida e alimentá-la,
colocou-te no altar.
Conhecias os segredos da cura,
das ervas e do tempo.
Para ti, o homem, teu companheiro,
esculpiu tua imagem.
Erigiu altares.
Venerou-te.
Dedicou a ti a terra,
as plantas,
as sementes.
Pois em teu ventre,
recebias a semente da humanidade.
Mas o homem,
esse que era teu companheiro,
decidiu, certo dia,
criar outro deus.
Um deus masculino e misógino.
E, em nome dele,
destituiu-te de teu posto.
Acusou-te de crime que
nem tinhas consciência
que existia.
Tua meiguice e delicadeza,
o poder de ter e de proporcionar prazer,
tua fraqueza física.
Tornou defeitos o que eram tuas qualidades.
Jogou sobre ti o fardo do pecado para carregares.
Teus conhecimentos já não são benéficos.
Não podes mais curar com plantas e carinho.
Teu corpo tornou-se odioso ao olhar,
É mister que escondas tua beleza.
A geração da semente em teu ventre plantada,
não pode ser feita com o teu prazer, pois
até este te foi extirpado.
Aquele que fora teu companheiro,
agora é teu dono,
teu senhor.
Arvora-se o direito de mandar em ti,
decidir teu caminho,
tua vida e tua morte.
Mas na tua fraqueza
reside tua força.
Lenta e inexorável,
Como o filete de água que escorre pela rocha,
tu abres teu espaço.
Sabes que não voltarás a ser a deusa
que um dia já foi.
Deseja apenas ser mulher.
Livre e reconhecida,
dona de seu corpo,
mente e destino.
Independente,
mas companheira.
Ocupar teu lugar real,
ao lado de teu companheiro.
Jamais acima.
Nunca mais abaixo.

Cubatão, 12/01/12 


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O PALHAÇO



Lá vem o palhaço
Roupa colorida
nariz vermelho
boca branca.
Vem cantando
E vem dançando,
E a criançada grita
“PALHAÇO”
E dá risada.
O palhaço, o que é?
É ingênuo
É esperto,
É malandro e
É burro!
O palhaço é tudo
É músico,
É maestro,
É médico,
É ator.
Traz alegria e
Felicidade,
É trapalhão e
É sabichão.
E o público ri feliz.
Mas alguém diz
“O palhaço é um homem triste,
Vestido de alegria”.
Não acredite não, criança.
O palhaço verdadeiro,
Para ser palhaço de verdade
Tem dentro de si,
Muita alegria e
Felicidade.



terça-feira, 30 de outubro de 2012

BELTANE


BELTANE

Tótila Artigas

Sob os galhos do carvalho sagrado
No alto da colina verde
A  Vida se renova
Glorificada pela bruxa
Unida pelo mago
Nos dias de Beltane
Elfos celebram a festa
Quando a amada e o amado
Se unem no laço do amor
Venham os elementais da terra
Kobolds, auxiliares dos humanos
Das águas As  Naiades
Com sua bela vozes e profecias
Do fogo sai o dragão
Trazendo o poder da inspiração
Cavalgando o ar
Chegam os silfos
Portadores da força divina da união
Eis que chega a noiva
Mãe-Terra, de onde procede toda fertilidade
Vem adornada e perfumada de flores
Logo chega Bellenos
O brilhante,
E as núpcias começam
Os fogos sagrados
Símbolo do amor entre eles
São acesos em todos os corações
É mais uma vez
Dôn fecundada por Bellenos
Para alegria da humanidade
Nestas núpcias que se renovam todos os anos.

O LIVRO

O livro é
Folhas em branco
Onde semeiam as letras,
Brotam palavras
E tecem os textos

O livro é
A beleza da primavera
A cor do verão,
O cheiro do outono
E o aconchego do inverno

O livro é
Oceano onde navegam
A ciência e o imaginário,
A busca e o encontro,  
A luz na escuridão

O livro é
A beleza da arte,
É a magia da poesia,
É o encanto da infância,
E a tragédia da morte

O livro
Perpetua uma época,
Imortaliza o artista
E transcende as fronteiras
Do tempo e do espaço

O livro
Nos abduz
Para nos conduzir,
Para bem longe daqui,
Aqui mesmo...


Esta poesia foi escrita por Branca Vieira em 21/10/12.


terça-feira, 16 de outubro de 2012

O Divórcio



O DIVÓRCIO

— Alô? ─ Gustavo Mendes pegou a toalha colocada sobre o guidão da bicicleta ergométrica para enxugar o suor da orelha e não molhar o celular. Saiu da academia em busca de um lugar mais silencioso, onde a música não atrapalhasse a conversa.
— Gustavo? É você?
Ele reconheceu imediatamente a voz. Ela sabia que só ele usava o celular. Porque sempre insistia em perguntar se era ele?
— O próprio.  — Ele era sempre gentil com os outros, mesmo em se tratando dela. — Está tudo bem? Como estão as crianças? — Para os pais, os filhos são sempre crianças, mesmo quando já estão beirando os trinta anos e já lhes deram três netos.
— Está tudo bem, as crianças estão bem, estão saudáveis, os netos estão crescendo feito abobrinhas. — E ela não perdia a mania de falar abobrinhas no telefone.
— Diz aí, Neusinha, em que posso te ajudar? — Ela só ligava para ele quando precisava de alguma coisa. Interesseira ao extremo.
Ela odiava quando a chamava de “Neusinha”, quando estavam juntos. Dizia que “Neusinha” era nome de putinha. Ou melhor, começou a odiar depois de alguns anos de casada. No começo, dizia que ele era tão carinhoso quando a chamava assim. Depois de dez anos, começou a reclamar. Aos onze, começou a esfriar. Com dois filhos pequenos para criar, ele não reclamou. Confessa: até gostei. Afinal, ela não era grande coisa na cama, mesmo. Cinco anos depois, já eram dois estranhos dentro da casa. Ela não dormia mais na mesma cama, não sentava mais à mesa na hora da refeição, enfim, só faltava levantar um muro dividindo o imóvel.
Nos últimos doze anos, depois da separação e de uma fase de desemprego, ele conseguiu uma vaga numa empresa no outro lado do país e ela lhe telefonou umas meia dúzia de vezes, sempre para pedir alguma coisa, de preferência inútil. Ele tinha certeza que desta vez não seria diferente. Aguardou que ela começasse a se desculpar por estar ligando em hora tão incômoda, perguntar se estava muito ocupado, se podia conversar com ela, etc., etc., etc...
Dessa vem, ela não falou nada daquilo. Só falou, incisiva:
— Precisamos conversar sobre nossa separação.
A objetividade da pergunta o pegou de surpresa. Apesar de ele ter sido o expulso do campo, ela nunca se preocupou em oficializar a situação. Especialmente depois que soube que paga as custas quem entra com o pedido de divórcio...
— Pois não, respondeu. — A hora que você quiser... Mas precisamos ir no cartório que casamos, sabia?
— Você ainda mora naquele apartamento no centro da cidade?
Será que ela está a fim de lhe tirar a única residência?
— Moro sim, porque?
— Só para saber. Pode vir aqui para conversarmos?
A principio, ele pensou em dizer que a distância é a mesma, que o interesse era dela, etc. e tal. Mas, como estava de férias, resolveu ir. Afinal, seria bom um passeio numa cidade litorânea. Ele morava em uma cidade longe do mar, ela morava perto da praia, e nenhuma das duas era a cidade que moravam quando se casaram. Atualmente, ambos moram a algumas centenas de quilômetros de lá, em direções diametralmente opostas. Ele confirmou a viagem, marcando a data para se encontrarem.

Dois anos antes:

Neusa estava sentada na mesa de um bar, no shopping, esperando algumas amigas para irem ao cinema. Como chegou cedo, resolveu tomar uma cerveja, para sair da rotina.
Passara metade da vida abominando bebidas alcoólicas mas, depois que conheceu um garotão com muitos músculos e pouco cérebro, entrou na onda dele e começou a beber. Isso foi logo depois que se separou, “já estava cansada da vida monástica com o marido”, como explicava às amigas. O garotão, que tinha idade para ser seu filho, se mostrou muito melhor na cama e muito mais fácil de ser manobrado. Fez gato e sapato dele, até que enjoou. Ficaram juntos cerca de três anos, depois chutou-o sem a menor sombra de remorso, da mesma forma que fizera com Gustavo. 
Passou um tempo sozinha, aposentou-se do serviço público, viajou, curtiu, namoriscou um e outro, até que, naquele dia no shopping, conheceu o Doutor Olavo Teixeira. Não muito alto, encorpado, com uma barriga incipiente caindo sobre a cinta, bem diferente do marido, que era do tipo atlético. Decidiram que namorariam mas não ocupariam o mesmo teto.
─ Não abro mão do meu espaço e da minha independência, ela exigiu.
E ele aceitou de bom grado. Só que vivia no apartamento dela comendo, afinal, ela era uma excelente piloto de fogão e ele um bom garfo. E nunca dispensavam uma cerveja na refeição. Em pouco tempo, sua circunferência abdominal quase dobrou. Ela também estufou um pouco, mas nada que se comparasse ao seu companheiro.
Sutilmente, ele foi se insinuando na vida dela. Descobriu que Gustavo tinha um bom salário, ou, pelo menos assim ela achava. Que tinham juntos diversos imóveis. Mas, se ela pedisse o divórcio, iria perder esses bens, pois, como eram casados pela lei antiga, Gustavo jamais iria abrir mão de sua parte.
─ Acho que você iria ganhar muito mais se, em lugar de pedir o divórcio, você ficasse viúva, ele brincou. 
Ela ouviu mas não brincou. Considerou seriamente a idéia. Comentou:
─ Teria que parecer um acidente, né?
Ele assustou:
─ Você teria coragem?
Ela retrucou:
─ E porque não? Dei quinze anos de minha vida para ele, e o que recebi em troca? Era um desastre na cama,nunca me fez gozar!
─ Então temos que planejar bem, ele refletiu. ─ Tem que parecer acidente. Inicialmente, você faz um seguro em nome dele, colocando você como beneficiária. Depois a gente planeja o sumiço dele direitinho.
─ Isso mesmo, um seguro bem legal. Ele adora praia, mar, nadar, mergulho, essas coisas doidas assim, ela lembrou.
─ Isso facilita as coisas. Um corpo no mar, um afogamento, cheio de testemunhas... ─ ele filosofou. ─ Tenho um amigo que tem lancha, e também mergulha...

E assim se passaram os dois anos, até aquele momento em que ela telefonou para o marido. Marcaram o dia e a hora do encontro. Seria no apartamento dela.
Ela decidiu que iria conversar sozinha com o marido, tentaria uma reaproximação, ou algo assim, de forma que pudesse manobrá-lo.
Gustavo estava mais interessado em pegar alguns objetos seus que sabia ainda estarem lá, entre eles um facão tipo rompe-mato, feito sob encomenda por um artesão, verdadeira obra de arte. Objeto mais de decoração que de utilidade, pois, embora tivesse uma ponta bem aguda, não era afiado.

Chegou uma hora adiantado. O apartamento, no décimo quinto andar do prédio, com uma vista maravilhosa para a enseada, ocupava metade do andar. Era bem projetado, com a área de serviço isolada da área social e distante da área intima. O único senão, na opinião de Neusa, era o fato de que a varanda do quarto principal era ligada com a do vizinho, separada apenas por uma fina parede e tendo no lado de fora uma jardineira espaçosa sem divisão.
Olavo estava curtindo o verão brabo apenas de cueca samba-canção, fuçando nos armários no quarto da empregada, onde Neusa atochara os objetos remanescentes do marido. “O desgraçado vem buscar de conta-gotas essa tralha”, vivia reclamando. E, como estava entretido, não ouviu a campainha tocar, nem a conversa entre eles.
Gustavo admirou-se ao ver, na porta, três trancas, além da fechadura.
─ Andaram fazendo arrastões aqui nos prédios, coloquei isso para me prevenir, Neusa explicou, trancando todas as trancas cuidadosamente, duas voltas cada chave. Em seguida, pegou o chaveiro e colocou sobre um aparador, ao lado da entrada, onde estavam dois celulares. Enquanto ela trancava, ele se observou no espelho colocado na parede defronte ao aparador.
Ela o conduziu pelo curto corredor, até a sala de visitas.
─ Porque você veio tão cedo? ─ cobrou ela, irritada.
─ Não tinha nada para fazer, então resolvi antes. Por que? Estou atrapalhando alguma coisa importante?  ─ Ele retrucou, cínico.
─ Não, não, apressou-se ela a responder. ─ É que não tive tempo de fazer um café.
─ Não precisa se preocupar com isso. Você disse que queria conversar sobre a separação. Pode falar que estou ouvindo, ele falou, jogando-se no sofá.
─ Bem, já estamos separados há quase vinte anos, e se eu resolver casar outra vez... ─ disparou ela.
─ É muito simples: você vai ao cartório onde nos casamos, pede o divórcio, o cartório me intima, vou até lá, fazemos a divisão dos bens, você paga as custas, o tabelião nos divorcia e estaremos ambos solteirinhos da silva de novo.
Ela titubeou:
─ Bem, não é exatamente isso que estou pensando... ─ tentou consertar. Viu que tinha começado da forma errada. ─ Bem... sabe... eu estava pensando se... será que... não tinha um... um jeito de a gente...
─ Se reconciliar? Você quer a reconcilição? É isso?
─ É! É isso mesmo! ─ ela disparou.
Ele levantou-se. Em pé, na frente dela, ela teve que levantar o rosto para olhá-lo nos olhos. Ele era mais alto cerca de vinte centímetros.
─ Não acredito! Você me faz viajar mil e quinhentos quilômetros para me dizer que quer reconciliar, depois de me chutar e me humilhar meia dúzia de vezes? ─ Sua voz saiu em tom mais alto que o normal, e irada!
─ Espera! Vamos conversar...! ─ ela tartamudeou.
─ Ora, faça-me o favor! Tenho coisas mais importantes para fazer na vida! ─ Ele estava irado.
Ela largou-se sobre o sofá. Para variar, fizera tudo errado, de novo. Ergueu o olhar, quase suplicante, para ele. Não sabia o que falar, não sabia como consertar a situação. Ele estava ali, em pé, à sua frente, parecendo um gigante, com as mãos na cintura e o rosto explodindo de raiva...
─ Querida, veja a maravilha que achei...! ─ a voz veio da porta que dava acesso à área de serviço, junto com o som de passos apressados.
Olavo surgiu na porta, com facão rompe-mato estendido à frente. Vinha andando apressado e desajeitado. O chinelo de borracha enroscou no tapetinho colocado na entrada, desiquilibrando-o. Seu peso de cento e cinquenta quilos de banha, por força da inércia, jogou-o em direção às costas de Gustavo.
Assustado com a movimentação, o homem voltou-se, a tempo de ver aquela avalanche humana arrojando-se sobre ele, o facão em riste como a proa de um navio quebra-gelo. Instintivamente, jogou-se para o lado, caindo sobre a poltrona. Viu, horrorizado, aquela massa de carne desabar sobre a delicada mulher, o aço penetrando no seu peito e o sangue jorrando no chão de lajotas claras.
Apavorado, Gustavo pulou da poltrona em direção à porta. Pegou o molho de chaves no aparador e tentou desesperadamente enfiar uma delas numa fechadura. Pelo espelho, viu Olavo levantar-se, com o facão na mão, todo sujo de sangue. Pegou um dos celulares que estavam no aparador e desembestou a correr para porta que levava à área de serviço. Atravessou a cozinha em direção à porta de serviço, na lavanderia. Três trancas protegiam a porta! Sabia que teria que enfrentar aquele monstro. Voltou para a sala. Otávio havia escorregado no sangue derramado no chão, e tentava levantar-se de novo.
Gustavo pegou uma fruteira de acrílico de sobre a mesa, lançou em sua direção e passou por ele correndo, desesperado. No hall de acesso à área íntima, jogou-se para dentro do quarto do casal. Uma vez lá, fechou a porta com brutalidade, puxando uma cômoda que estava ao lado, escorando-a. Depois, empurrou a pesada cama de casal, para reforçar a escora. Em seguida, pegou o celular, foi para a varanda e teclou 190. Quando atenderam, ele gritou:
─ Socorro! Tem um assassino no meu apartamento!
No outro lado da linha, a telefonista pediu que ele se acalmasse e contasse o que estava acontecendo. Ele descreveu em rápidas palavras o sucedido. E completou:
─ Estou entrincheirado no meu quarto, mas não sei por quanto tempo a porta vai aguentar! Ele está esmurrando a porta! Socorro! Venham logo, por favor!
─ Já anotei seu endereço, e estou mandando uma viatura para aí. Tem como o senhor abrir a porta?
Nisso, a vizinha do apartamento ao lado, ouvindo os gritos e a conversa telefônica, apareceu na varanda. Era uma senhora de idade avançada, muito simpática.
─ Se você quiser, posso abrir a porta por fora, meu filho. É só você me dar a chave.
Ele informou à atendente da policia a possibilidade de abrir a porta. Olhou para baixo e viu a viatura encostar em frente ao prédio. Logo em seguida, veio outra. Os policiais entraram correndo no prédio.
No quarto, Gustavo ouvia, apavorado, Olavo bater na porta com o facão, e gritar para que a abrisse. Se ele conseguisse entrar, Gustavo ia pular para a varanda da vizinha.
Os moveis que escoravam a porta começaram a ceder. Ele estava conseguindo empurrá-los. De repente, Gustavo ouviu uma voz ao seu lado:
─ Você é o Gustavo?
Olhou. Era um policial.                     
─ Sou eu mesmo.
─ Chega para lá que eu vou entrar, ele mandou.
O homem obedeceu. Rapidamente, o policial contornou a parede, e apoiando o pé na floreira, chegou na varanda. Nesse instante, a porta do quarto abriu-se. A figura grotesca de Olavo, suja de sangue e segurando o facão, apareceu na soleira. O policial puxou a arma e mandou-o largar o facão. Otávio avançou sobre ele.
Na sala, os outros policiais já entravam no apartamento. Deram a mesma ordem, mas o assassino continuou avançando. O policial que estava no quarto fez um disparo. O projétil atingiu o peito de Olavo, que ainda deu três passos antes de desabar no chão, morto.

FIM